Aqueles foram tempos convulsivos no Rio Grande do Sul. Um povo ainda em formação lutava por sua terra, seu gado, suas mulheres e seus filhos.
Para o campo migravam os homens, numa marcha sem volta. Idealistas, sanguinários, libertários, soldados, estancieiros, peões, maridos, pais. No campo sangravam. No campo passavam frio e fome.
Apartavam-se até dos ideais, por vezes da razão. Escondiam o medo na insanidade. Perdiam as roupas, os cavalos, as batalhas. Farrapos.
Na casa ficavam as mulheres. Com elas, moças que viam a meninice passar, esperando seus irmãos, seus pais, um pretendente que pudesse transpor a porteira só para cruzá-la novamente rumo à morte.
Aqueles foram tempos de espera.
E a espera trazia a incerteza, a angústia, o medo e a solidão, que disputava com a insanidade um lugar no coração do pampa.
Mas na casa também repousavam a vida e a obstinação. A esperança de que uma ferida não fosse encontrar a morte ao cair da noite. Na casa as mulheres colocavam as dores para quarar ao sol.
E rezavam, crentes. Cozinhavam os doces e teciam as roupas, silentes.
E amavam, amavam com gana e com fé, agarradas a esperanças que só dividiam com a escuridão do pampa.
Na casa do general farroupilha Bento Gonçalves da Silva, líder tenaz de um povo insurreto, ficaram Ana Joaquina, Maria, Manuela, Mariana, Rosário, Perpétua e Caetana...
Seus registros perderam-se na história. Ninguém sabe quantas foram as noites que essas mulheres passaram em claro chorando seus homens, ou quantas foram as noites que gastaram reunidas na sala, em volta de um fogo tremulante, à espera de um parto, de uma notícia, de uma esperança...
...não há quem duvide de que essas noites se passaram, no aguardo de dias mais ensolarados, menos revoltosos.
Tão real quanto as noites que se arrastaram pelos corredores e quartos e lençóis daquela casa, na longa espera que começou em 1835 e expirou em 1845.
Essa história não é apenas uma história do povo gaúcho.
Não é apenas das mulheres suas dores e seus amores nem apenas dos homens e de seu sangue derramado.
É humana. Nasce do conflito, da discórdia, mas também dos ideais e da dignidade. Sobretudo, é uma história de amor, desse sentimento que fala aos homens de bravura, às mulheres enlevadas, às mães zelosas e ao coração de qualquer um que a escute.
Texto adptado de Letícia Wierzchowski
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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